"....Plutarco contou sobre o famoso processo de Thonis, que a bela cortesã egípcia moveu contra um jovem apaixonado. Quando o rapaz a procurou dizendo que a desejava muito, Thonis mostrou-se indiferente inicialmente, mudando de ideia quando ele ofereceu uma bela quantia em troca de seus favores.
O encontro ficou para o dia seguinte, mas naquela noite, excitado com a perspectiva de tê-la nos braços, o jovem sonhou que a possuía, e foi um sonho tão real, tão cheio de deliciosas sensações, que o desejo que sentia ficou definitivamente apaziguado e ele desmarcou o compromisso. Ao saber dos motivos, ela entrou com um processo no tribunal, exigindo o pagamento combinado, argumentando que o jovem tinha usado a imagem dela para saciar sua paixão. O juiz, depois de ouvi-la, mandou o rapaz leva à corte a quantia acertada e ali contar as moedas uma a uma. Depois mandou ele passar as moedas da mão esquerda para mão direita, mas sem entregá-las à prostituta, porque ela, que havia participado do sonho com apenas a sombra do seu corpo, estaria bem paga com a sombra do dinheiro.
Aquela sentença não negava o valor dos sonhos, mas decidiu que eles não podem ser confundidos com a vida real. Uma coisa é a realidade, outra coisa as várias formas de imitá-la. Isso também deixou claro o famoso general espartano Agesilau, um dos mais famosos do mundo antigo: quando foi convidado para ouvir um homem que imitava com perfeição o canto do rouxinol, disse que não estava interessado porque já tinha ouvido, diversas vezes, o cantar de um rouxinol de verdade.
Esse valor maior atribuído ao real e ao verdadeiro, hoje é coisa do passado. Nosso século prefere a realidade organizada do mundo virtual, onde tudo é possível, tudo pode ser corrigido e melhorado, onde a cópia sai melhor do que o original. É um mundo triste para os pássaros, pois o rouxinol virtual vai cantar melhor do que o verdadeiro, porque todas as imperfeições da avezinha serão editadas e suprimidas. Para nós é ainda pior: acostumados a essa falsa perfeição, muitos já não têm a coragem de correr os riscos que a vida traz.
Evitam até mesmo correr o risco de sentir um amor de verdade, coisa que causaria uma perturbação nesse mundo organizado, e, daí, preferem mascarar tal ausência com uma simulação. Como atores de uma peça, fingem que estão apaixonados, reduzindo o amor ao ritual de trocar mensagens adocicadas e presentes obrigatórios em certas datas – e o fazem simplesmente para não morrer de tristeza."
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